5 anos de covid: como a pior pandemia de nossa geração mudou o mundo, da saúde e ciência à economia e política

“Pandemia não é um termo que deve ser usado de modo leve ou descuidado. É uma palavra que, se mal utilizada, pode causar medo irracional ou uma aceitação injustificada de que a luta acabou. Ambos levam a sofrimento e mortes desnecessárias.”

Esse foi um dos trechos do discurso feito pelo biólogo etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus em 11 de março de 2020, dia em que a covid-19 foi oficialmente classificada como uma pandemia.

“Nós acabamos de soar um alarme alto e claro”, afirmou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) naquela ocasião.

No início de 2020, pouco mais de dois meses após o surgimento de uma “pneumonia misteriosa” em Wuhan, na China, a doença causada pelo novo coronavírus havia provocado 118 mil casos e 4,2 mil mortes em 114 países.

No desenrolar de meses e anos seguintes, a covid se espalharia por todos os continentes, com 778 milhões de casos e pelo menos 7 milhões de mortes registrados — embora algumas estimativas indiquem que esse número de óbitos possa ter ultrapassado a casa dos 20 milhões.

No Brasil, 37,5 milhões foram infectados e 700 mil acabaram mortos, segundo as estatísticas oficiais.

Passados cinco anos desde o início da emergência global de saúde, o que mudou no mundo, da saúde à ciência, da economia à política?

A seguir, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil discutem as cicatrizes que a covid-19 deixou no planeta — e se estamos mais preparados (ou não) para lidar com as próximas pandemias.

Os primeiros passos: achatar a curva e se proteger

Num cenário onde ainda não existiam vacinas e pouco se sabia sobre as formas de transmissão do Sars-CoV-2 (o coronavírus causador da covid-19), uma das primeiras medidas adotadas pelos países para conter a crise foi pedir — ou até mesmo determinar com a força da lei — que as pessoas ficassem em casa.

As escolas, o transporte público, as lojas e muitos escritórios foram fechados por tempo indeterminado.

Um dos bordões mais usados nesse período era “achatar a curva” — ou seja, conter o ritmo de transmissão do vírus, para que a onda de novas infecções não se transformasse num tsunami devastador.

Ou seja, se os casos de infecção não subissem tão rapidamente, os hospitais teriam capacidade de atender os casos mais graves conforme eles aparecessem.

Passados cinco anos desse período, o matemático Adam Kucharski defende que a estratégia de achatar a curva era necessária naquele momento, para evitar que os sistemas de saúde de fato entrassem em colapso.

“Quando um hospital fica lotado, as mortes aumentam por causa da falta de oxigênio e de outros recursos”, explica o especialista, que é professor de Epidemiologia de Doenças Infecciosas na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido.

“Mas talvez aquela ideia de que teríamos apenas um único pico de covid-19, que poderia ser adiado ou diluído, se mostrou enganosa em muitos países. Em lugares com uma grande população de idosos, essa doença era grave demais para uma única onda que não excederia a capacidade dos sistemas de saúde”, pondera ele.

Para Kucharski, muitos governos “não deixaram claro o que era viável e eficaz em termos de controlar” a disseminação do coronavírus.

“Durante uma pandemia, as decisões têm uma espécie de ‘dependência das primeiras escolhas’: se você segue por um caminho no início, como permitir uma quantidade elevada de infecções, pode ter opções reduzidas num futuro próximo. Muitos países descobriram que estavam no caminho errado tarde demais, antes de considerar quais alternativas estavam disponíveis”, analisa ele.

O matemático destaca que os planos sobre o que fazer deveriam estar concluídos antes de uma crise global de saúde estourar — nunca durante uma situação como essa.

Cartaz em inglês pede que as pessoas fiquem em casa para salvar vidas

Ainda nessa primeira fase da pandemia, vale destacar as recomendações sobre os demais cuidados preventivos — como lavar bem as mãos, limpar superfícies, melhorar a ventilação de lugares fechados, usar máscaras ao sair de casa e ficar em isolamento caso apareçam sintomas sugestivos da infecção (tosse, mal-estar, febre, dor no corpo…).

Essa lista de cuidados foi influenciada pelo debate sobre como o coronavírus é transmitido. De início, entidades como a própria OMS destacaram que o patógeno passava de uma pessoa para outra por meio de gotículas de saliva que são expelidas por boca ou nariz no ato de falar, tossir ou espirrar.

Com o passar do tempo, no entanto, descobriu-se que o vírus também pode infectar por meio do aerossol, um tipo de partícula que também sai por boca e nariz, mas é muito menor e capaz de permanecer em suspensão no ar por um tempo prolongado (em comparação com as gotículas de saliva, que são maiores e mais pesadas).

“Inicialmente, a OMS se concentrou nas partículas maiores como as principais fontes de exposição [ao coronavírus]. Alguns cientistas que trabalham nesta área consideram que a entidade não prestou atenção suficiente aos aerossois”, lembra o virologista Mark Sobsey, pesquisador e professor do Departamento de Ciências Ambientais e Engenharia da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

“Mas, à época, as evidências para os riscos de transmissão de patógenos por aerossol eram muito limitadas e não estavam bem documentadas com base em trabalhos científicos confiáveis e rigorosos”, complementa ele.

Foi necessário, então, entender essa dinâmica das partículas transportadas pelo ar — uma informação fundamental para criar políticas de prevenção da covid-19 mais efetivas.

Para Sobsey, a pandemia de covid-19 revelou “as deficiências em reconhecer, antecipar e responder aos patógenos” que podem provocar enormes crises.

“Desde então, a OMS e a comunidade global de saúde criaram sistemas novos e melhores para lidar com essas necessidades, que incluem a vigilância e a monitorização de patógenos, inclusive com o auxílio da inteligência artificial”, complementa ele.

A revolução dos imunizantes

Durante quase 60 anos, a vacina que protege contra a caxumba deteve o recorde de rapidez no desenvolvimento: os pesquisadores levaram cerca de quatro anos para criar, testar e obter a aprovação deste produto, que chegou ao mercado a partir de 1967.

Essa marca histórica foi obliterada durante a pandemia de covid-19.

Se considerarmos que os primeiros casos da doença começaram a ser registrados no final de dezembro de 2019 e uma dose de vacina aprovada pelas agências regulatórias foi aplicada na inglesa Margaret Keenan no dia 8 de dezembro de 2020, essa corrida na busca por soluções efetivas contra o coronavírus foi concluída em menos de doze meses.

Entre o final de 2020 e o início de 2021, diversas plataformas vacinais mostraram resultados animadores em termos de segurança e eficácia.

Foi o caso dos imunizantes de mRNA, desenvolvidos por Pfizer/BioNTech e Moderna, de vetor viral, criados por AstraZeneca/Oxford e Janssen, e as de vírus inativado, como a CoronaVac, da Sinovac/Butantan.

Esses produtos ganharam uma aprovação emergencial das agências regulatórias (como o FDA nos EUA e a Anvisa no Brasil) e passaram a ser usados em larga escala, nas maiores e mais rápidas campanhas de vacinação em massa já registradas.

“Nesse período, aprendemos que as novas plataformas vacinais são muito importantes para enfrentar surtos, epidemias e pandemias. O desenvolvimento tradicional de vacinas, que usualmente leva dez anos ou mais, pode ser desafiado, com resultados de qualidade”, comemora a médica Sue Ann Costa Clemens, professora titular de Saúde Global do Departamento de Pediatria da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

“Também aprendemos que desenvolver essas inovações em pouco tempo depende de uma integração de diferentes setores, que vão desde a concepção da molécula, a manufatura e os sistemas de saúde”, complementa ela, que ainda ocupa o cargo de chefe do Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena, na Itália.

É claro que a disponibilização das vacinas contra a covid-19 num prazo tão curto dependeu de diversos fatores.

Como outros coronavírus — caso de Sars e Mers — já haviam causado surtos localizados em anos anteriores, os cientistas possuíam alguma experiência e um conhecimento acumulado sobre a estrutura e o funcionamento dessa família de patógenos.

Mesmo plataformas inéditas, como o mRNA, que até então não havia sido usado para criar uma vacina, era alvo de pesquisas há décadas — num trabalho que, inclusive, rendeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2023 para a bioquímica húngara Katalin Karikó e o imunologista americano Drew Weissman.

A criação de vacinas contra a covid-19 bateu todos os recordes anteriores de desenvolvimento de imunizantes

Cinco anos depois, porém, os desafios relacionados à vacinação da covid-19 se modificaram.

“Precisamos entender as necessidades de uma situação de pandemia, de emergência, e o contexto do dia a dia, dentro dos sistemas nacionais de imunização”, diferencia Clemens.

“Durante uma pandemia, buscamos produtos com alta eficácia e agilidade no desenvolvimento e no escalonamento da produção. Já para a rotina, necessitamos de vacinas seguras, com maior durabilidade, um acondicionamento viável e baixo impacto orçamentário.”

“As vacinas de mRNA, por exemplo, têm excelente eficácia e representam um avanço inenarrável para a ciência, a medicina e a saúde global. No entanto, elas ainda apresentam um custo elevado e requerem doses de reforço com maior frequência, a cada 6 meses, o que traz um impacto orçamentário grande”, pondera a médica, que também é consultora-sênior para o desenvolvimento de vacinas da Fundação Bill & Melinda Gates.

Em outras palavras, na avaliação de Clemens, é preciso superar essas barreiras para que as inovações e tecnologias, vitais para acabar com a mais recente pandemia, se encaixem melhor na rotina dos programas de imunização de cada país.

Mas os desafios não param por aí. “Há necessidade de melhorar a vigilância global de novos patógenos, atualizar a regulamentação das agências sanitárias e fazer a manutenção das redes de laboratório e pesquisa clínica”, lista Clemens.

Ao lado de outros especialistas, a médica propõe a criação de uma “biblioteca” de protótipos de vacinas.

A ideia é que essas “receitas” para produzir imunizantes contra os patógenos que geram preocupação e têm potencial de causar surtos, epidemias e pandemias no futuro estejam amplamente disponíveis aos cientistas do mundo inteiro. Assim, fica mais fácil desenvolver, testar e fabricar doses com rapidez, para conter o problema antes que ele se agrave.

“E não podemos nos esquecer da hesitação vacinal, que requer informações adequadas e o combate às notícias falsas, e das dificuldades de acesso às doses, pois até hoje existem países com menos de 5% da população vacinada contra a covid-19.”

Um mundo (ainda) mais desigual

As vacinas contra a covid, aliás, foram um exemplo de como a luta contra a pandemia em escala global foi desequilibrada.

Quando os imunizantes foram aprovados, os países ricos logo garantiram a maior fatia das primeiras doses produzidas. As nações mais pobres tiveram que aguardar meses até que pudessem receber alguns lotes desses produtos.

Um artigo assinado por pesquisadores da Universidade de Utah, nos EUA, dá a dimensão da disparidade: em julho de 2021, 80% da população mundial tinha acesso a 5% das doses de vacina disponíveis, enquanto os outros 20% abocanharam 95% dos imunizantes.

Nesses 20%, estão representadas as nações mais ricas, mesmo aquelas que integravam a Covax, uma iniciativa da OMS que tentou garantir uma distribuição mais homogênea das doses pelo planeta.

“A pandemia nos lembrou que, na verdade, certas cidadanias e certos passaportes têm mais direito à vida do que outros, apesar do que consta na Declaração dos Direitos Humanos e outros documentos do tipo”, lamenta o economista Francisco Ferreira, diretor do Instituto de Desigualdades Internacionais da Escola de Economia de Londres.

O especialista, aliás, entende que a pandemia trouxe diversos outros exemplos de disparidades.

“A covid-19 revelou, ou chamou mais atenção, para algumas formas de desigualdade que já existiam, exacerbou algumas outras e criou novos problemas”, avalia ele.

Um exemplo da primeira categoria são as questões habitacionais. Pessoas que já viviam em favelas ou moradias precárias sempre sofreram com a falta de acesso a serviços como água potável e saneamento básico — algo que se tornou ainda mais aparente durante a emergência sanitária.

“Nesses casos, a capacidade de fazer isolamento passou a representar uma questão de vida ou morte”, destaca Ferreira.

“Já entre as desigualdades que foram exacerbadas, estão aquelas entre trabalhadores formais e informais. Quando a economia fechou, o primeiro grupo tinha maior facilidade em manter os empregos ou pelo menos ter acesso a benefícios públicos, como o seguro-desemprego. Já os trabalhadores informais, principalmente aqueles cujo ofício envolvia contato direto com o público, simplesmente perderam o ganha-pão, ao menos até a criação de benefícios emergenciais.”

Já entre as novas formas de desigualdade criadas a partir da pandemia, o economista lembra da possibilidade de trabalho remoto, que geralmente ficou restrita a quem possuía um maior nível de educação.

Algumas desigualdades foram aprofundadas e exacerbadas durante a pandemia

O epidemiologista Michael Marmot, diretor do Instituto de Equidade em Saúde da Universidade College London, na Inglaterra, concorda que a covid-19 revelou, exacerbou e aprofundou as desigualdades — tanto na comparação entre países como entre cidades, Estados ou regiões de uma mesma nação.

“Antes da pandemia, os dados já demonstraram que, quanto maior o nível de privação econômica de um lugar, maior a taxa de mortalidade por todas as causas ali. A covid-19 acentuou isso ainda mais”, explica ele.

“Indivíduos que moravam em casas lotadas, ocupavam posições da linha de frente, não podiam trabalhar de casa, entre outros fatores, estavam potencialmente mais expostos ao coronavírus”, complementa o pesquisador.

Marmot também entende que a emergência sanitária escancarou os problemas nos sistemas de saúde — a falta de insumos, leitos hospitalares, remédios, máscaras e outros equipamentos aprofundou ainda mais a crise em alguns lugares.

Talvez um dos maiores exemplos disso seja a cidade de Manaus, que no início de 2021 sofreu com a crise da falta de oxigênio e ganhou as manchetes do mundo pela quantidade de mortes registradas.

“Os sistemas de saúde precisam ter uma taxa de ociosidade e uma certa folga no uso de recursos. Se 100% dos leitos hospitalares estão ocupados o tempo todo, certamente isso representa um problema”, analisa ele.

Ferreira e Marmot veem a necessidade de criar mecanismos para fortalecer organizações globais de saúde, como a OMS, para uma resposta mais coordenada (e igualitária) na próxima emergência global — embora ambos tenham uma visão pessimista sobre o futuro.

“Precisamos garantir o acesso universal às vacinas, que devem ser encaradas como um bem comum”, sugere o epidemiologista.

“Mas definitivamente não estamos hoje mais preparados para enfrentar a próxima pandemia”, complementa ele.

“E o ressurgimento de governos altamente nacionalistas e tribalistas, como o de Donald Trump, nos Estados Unidos, só piora essa situação”, constata Ferreira.

Perda de confiança, desilusão e radicalização

Num artigo intitulado As Cicatrizes Políticas de Epidemias, publicado em junho de 2020, os autores discutiam qual seria o legado do coronavírus — e projetaram que jovens adultos (dos 18 aos 25 anos), uma faixa etária de formação da visão de mundo e das preferências políticas, seriam negativamente impactados, especialmente em quesitos como a confiança que eles depositam nas instituições e nos líderes de seus países.

Segundo eles, esse problema seria mais grave nos locais cujos governos se mostraram “fracos”, com “menos capacidade de agir para conter a pandemia”.

Passados cinco anos, os responsáveis pela análise consideram que as projeções se concretizaram — e tendem a se consolidar nas próximas décadas.

O economista Cevat Giray Aksoy, pesquisador sênior do Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, aponta que a pandemia foi um “teste de estresse” para governos e escancarou “fraquezas estruturais profundas”.

O Banco Mundial, por exemplo, calcula que o PIB global teve uma contração de 3,4% em 2020, com uma redução de 4,7% nas economias avançadas e 2,2% nos mercados emergentes.

“Esse choque sem precedentes lançou 97 milhões de pessoas na extrema pobreza, no que foi o primeiro crescimento deste indicador em duas décadas”, diz Aksoy, que também é professor associado do Departamento de Política Econômica do King’s College, em Londres.

E a recuperação econômica depois dessa primeira retração não foi sólida, considera ele. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o crescimento global vai se estabilizar em 3,2% em 2024 e 2025.

“No entanto, a previsão de longo prazo é menos otimista, com a expectativa de que essa taxa decaia para 3,1% nos próximos cinco anos, a mais baixa projeção das últimas décadas. Isso reflete desafios estruturais permanentes, como a queda da produtividade e os declínios demográficos”, destaca o economista.

Aksoy pontua que as consequências econômicas da pandemia — aumento de inflação, desemprego, desigualdade… — ampliaram a falta de confiança.

“Tudo isso reforçou a percepção de que os governos ou são incapazes ou não possuem a vontade para atender as necessidades imediatas dos cidadãos”, diz ele.

Nos Estados Unidos, por exemplo, um levantamento do Centro de Pesquisa Pew de 2024 mostrou que apenas 22% dos americanos tinham confiança de que o governo faz o certo “sempre” ou “na maioria das vezes”.

Já o Barômetro de Confiança da Edelman de 2025 revelou que, numa escala global, 60% das pessoas demonstram alguma preocupação com a economia.

“E uma parcela significativa dos indivíduos que participaram desse levantamento acredita que ações hostis, inclusive com violência, podem ser necessárias para gerar mudanças”, destaca Aksoy.

“Isso mostra uma preocupante virada de chave para a desilusão e, em alguns casos, para a radicalização.”

“E essas atitudes, quando ganham força em um período tão importante da vida de um indivíduo, entre os 18 a 25 anos, tendem a persistir e influenciar o comportamento político por muitos anos”, prevê ele.

O economista Orkun Saka, outro autor do artigo publicado em 2020, vê com preocupação a mudança das preferências políticas, principalmente entre os mais jovens, que se mostram cada vez mais abertos às ideias de partidos da direita radical.

“Isso não é particularmente surpreendente diante de nossos achados”, constata o especialista, que é professor associado da City University of London, também no Reino Unido.

Economistas apontam Brasil como exemplo de ‘respostas inconsistentes’ e ‘brigas políticas’ durante a pandemia

Mas será que essa reação da população variou conforme as ações que cada governo tomou durante a pandemia?

Aksoy diz que sim — e cita dois países como exemplo.

“No Brasil, respostas inconsistentes e brigas políticas durante a crise sanitária erodiram a confiança nas instituições entre os eleitores. Esse declínio criou um terreno fértil para a instabilidade política e a desilusão”, cita ele.

“Em contraste, a Nova Zelândia teve uma resposta à pandemia caracterizada por ações decisivas, rápidas e transparentes, permeadas por uma comunicação empática. Esses esforços não apenas controlaram a circulação do coronavírus, como também aumentaram a confiança da população, especialmente das camadas mais jovens”, compara ele.

Para o pesquisador, as políticas públicas dos dois países demonstram como “a confiança do público nas instituições durante crises não é influenciada apenas pela gravidade dos eventos, mas também pela forma como os governos respondem”.

“Lideranças efetivas e transparentes podem mitigar problemas políticos e econômicos de longo prazo, enquanto políticas inconsistentes ou mal geridas exacerbam a desilusão e a polarização”, observa ele.

Saka reforça que intervenções políticas mais efetivas e rápidas — na forma de regras de distanciamento social, uso de máscaras, entre outros — resultaram num menor número de casos e mortes por covid-19.

“E isso, por sua vez, mostrou à população desses lugares que eles tinham um governo no qual podiam confiar”, diz ele.

“Na contramão, reações lentas e atrapalhadas, como as tomadas no Reino Unido, criaram decepção e desconfiança, especialmente em novas gerações que possivelmente testemunharam pela primeira vez o governo ser testado”, opina o economista.

Mas o que esperar para os próximos anos? Essas marcas da covid-19 continuarão visíveis em toda a sociedade? Ou elas vão cicatrizar depois de algum tempo?

Para Aksoy, isso vai depender das escolhas que os governos farão a partir de agora.

“Investimentos no crescimento econômico igualitário, em sistemas modernos de educação e no acesso aos cuidados de saúde, em paralelo a respostas transparentes às preocupações das pessoas, podem reconstruir a confiança e gerar resiliência.”

“Mas, sem reformas significativas, nós corremos o risco de entrar numa era prolongada de instabilidade política, divergência econômica e enfraquecimento da cooperação global, com profundas implicações na governança e na coesão social”, responde ele.

Saka pontua que a pandemia recente, assim como alguns outros eventos parecidos registrados ao longo da história, indicam que formou-se uma “geração covid-19”, com indivíduos que vão “apresentar crenças e comportamentos políticos diferentes pelos próximos 20 anos”.

“Diante disso, posso predizer que esses fatores só vão acelerar o ritmo da atual mudança política em direção a partidos populistas e extremistas nos próximos 10 ou 15 anos”, acredita o economista.

Perguntas sem respostas e esquecimentos coletivos

Em meio a toda essa convulsão social, o “aniversário” de cinco anos da pandemia também chama a atenção para a falta de soluções diante de alguns dos mistérios fundamentais relacionados à covid-19.

O primeiro deles: de onde surgiu o coronavírus?

Um corpo de evidências científicas aponta para um spillover, ou seja, o patógeno possivelmente “pulou” de um animal para seres humanos, fato que parece ter ocorrido num mercado de frutos do mar em Wuhan, na China.

Mas há um grupo de especialistas que defende com unhas e dentes que o vírus vazou de um laboratório de pesquisas, embora não existam muitos fatos documentados que corroborem essa teoria.

Outra pergunta: por que alguns pacientes desenvolvem a covid longa?

“Ainda não sabemos. Há pesquisadores que investigam a presença de alguns biomarcadores no organismo dessas pessoas”, responde a médica Trish Greenhalgh, do Departamento de Ciências da Saúde em Atenção Primária da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

“Em resumo, pessoas que tiveram um quadro mais severo, não tinham se vacinado quando pegaram covid-19 pela primeira vez, possuem outras doenças de base ou não puderam repousar durante a infecção têm mais probabilidade de desenvolver a covid longa”, lista a pesquisadora.

Manaus foi um dos epicentros da pandemia e passou por uma grave crise de falta de oxigênio no início de 2021

Numa esfera mais existencial, quase filosófica, há uma questão que sempre aparece na mente de quem acompanhou de perto a emergência sanitária global: será que estamos nos esquecendo de tudo o que vivemos durante a pandemia de covid-19?

O neurocientista Kevin LaBar, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, avalia que esse é um processo natural que acontece na nossa cabeça.

“Com o passar do tempo, as memórias tendem a desvanecer, mesmo aquelas relacionadas a eventos importantes”, constata ele.

“Isso acontece porque o cérebro tem uma capacidade limitada, então precisamos dedicar a energia disponível para codificar memórias dos novos eventos que acontecem em nossas vidas. Daí as lembranças de eventos passados, mesmo que relevantes, são comprimidas e arquivadas com menos vivacidade e detalhes.”

No caso específico da covid-19, LaBar entende que, embora o início da crise tenha sido similar para praticamente todo mundo (com os primeiros casos, o lockdown, um temor generalizado…), o desenrolar dos eventos se diferenciou de acordo com a vivência de cada um.

“A maioria das pessoas vai se lembrar de como a vida se modificou diante das primeiras restrições, mas, ao longo do tempo, a rotina se estabeleceu segundo a natureza do trabalho ou diante de episódios específicos, como uma infecção ou a morte de um ente querido”, raciocina o neurocientista.

“E isso cria dificuldades para cultivar uma espécie de ‘memória coletiva’ da pandemia de covid-19”, conclui ele.

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