OPINIÃO: Direitos de transmissão televisiva do Brasileirão: igualdade, desigualdade e apartheid futebolístico

Emanuel Leite Jr., colunista convidado

Quando comecei a estudar as “cotas de televisão”, os contratos da Série A ainda eram negociados pelo Clube dos 13. Tal entidade concentrava os recursos sob os interesses de seus associados. Criava, então, um pequeno e privilegiado grupo de elite, em detrimento de todos os outros. Situação que gerava brutal desigualdade. Fazendo surgir o que denominei de “apartheid futebolístico. Apartação que dividia clubes grandes dos pequenos, contribuindo para o engessamento da mobilidade entre as agremiações, com os grandes sempre maiores e os pequenos sempre menores, condenados à marginalidade do futebol. Afronta ao direito fundamental do Princípio da Igualdade. Mais do que um princípio, a igualdade, desde os gregos antigos, caracteriza a democracia.

Entretanto, após imbróglio envolvendo as negociações dos contratos de 2012-2014, o próprio C13 perdeu seu controle e viu parte de seus associados boicotarem a negociação coletiva e partirem para negociações individuais com a Rede Globo. Lembremos que a negociação coletiva era determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), uma vez que Globo e C13 haviam firmado acordo para que fosse encerrado processo por formação de cartel, referente a contrato de 1997 a 1999.

As negociações individuais, ao concentrarem ainda mais o poder nas mãos de apenas dois clubes – Flamengo e Corinthians -, gerou o temor do “risco de espanholização”. Entretanto, é de vital importância ressaltar que seu maior malefício é o aprofundamento do “apartheid futebolístico”, além de aumentar o fosso da desigualdade social e regional, grande problema que assola o Brasil, ferindo, inclusive, princípio fundamental do Estado brasileiro: reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF/88).

Vivemos a era do conflito holismo vs. individualismo. O Nobel da economia John Nash, ao desenvolver a teoria dos jogos concluiu que a cooperação gera mais benefícios à coletividade do que o individualismo. No caso da concentração de renda do futebol brasileiro, o individualismo (concentração dos recursos) ao prejudicar a igualdade de condições entre os clubes que competem em um mesmo campeonato (coletividade), empobrece, por conseguinte, o próprio campeonato, ao passo que este se torna desnivelado tecnicamente, perdendo sua competitividade e equilíbrio das disputas.

As negociações individuais são maléficas para a coletividade. Em meu livro “Cotas de televisão do campeonato brasileiro: apartheid futebolístico e risco de espanholização”, argumento que é a negociação coletiva que se aproxima mais do ideal de “cooperação social” de John Rawls, afinal através dela se pode obter um acordo em que haja “vantagem mútua” entre todos envolvidos. Desde que a divisão dos recursos trate todos intervenientes de modo equitativo, não permitindo “que alguns tenham mais trunfos do que outros na negociação”.

Quando se fala em igualdade, é importante ressaltar, não se pode confundir com igualitarismo. Norberto Bobbio já nos ensinou que essa confusão é fruto de “um insuficiente conhecimento do ‘abc’ da teoria da igualdade”. Igualitarismo seria a igualdade absoluta, ou seja, a proclamação de que todos são absolutamente iguais, independentemente de critérios descriminadores. O princípio da igualdade não busca igualitarismo absoluto e muito menos permite que ocorram diferenciações e descriminações absurdas e arbitrárias. A isonomia visa a garantir o respeito aos semelhantes e suas peculiaridades, enfim, o respeito à sociedade plural e democrática. Afinal, como preconizou Aristóteles, “a igualdade consiste em tratar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade.”

No Brasil, o então deputado federal Raul Henry (PMDB-PE), atual vice-governador de Pernambuco, apresentou, com base para sua fundamentação e justificação os estudos que posteriormente publiquei como livro, o Projeto de Lei 7681/2014. Proposta reapresentada pelo deputado Betinho Gomes (PSDB-PE): 755/2015. Em linhas resumidas, propõe: 50%: igual entre todos os clubes; 25%: de acordo com a classificação no ano anterior; 25%: proporcional à média do número de jogos transmitidos.

Enquanto no nosso país ainda se perde tempo discutindo o risco de espanholização e o PL 755/15 se encontra parado na Câmara dos Deputados, a própria Espanha, com o Real Decreto-ley 5/2015, caminha em direção a um tratamento mais equânime, juntando-se ao que já é realidade na Inglaterra, Alemanha, Itália e França. Nós, brasileiros, ficamos isolados junto com a potência futebolística que é o campeonato português. “Virando costas ao mundo, orgulhosamente sós”, exaltava António Salazar. Irônico, não?

* Emanuel Leite Jr. é bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e formado em Jornalismo pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (Uninassau). Repórter do Superesportes do Diario de Pernambuco. Siga no Twitter @EmanuelLeiteJr

Fonte: EXAME

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