A coluna de João Pereira Coutinho desta semana na Folha toca na ferida do narcisismo moderno que produziu a geração “mimimi”, que se faz de vítima a toda hora e clama por “direitos” inexistentes a todo momento, como o de não se sentir “ofendido”. Claro que seria impossível esgotar o assunto em poucas linhas, mas Coutinho, com base no livro How to raise an adult, de Julie Lythcott-Haims, resume muito bem uma das possíveis explicações do fenômeno.
E numa sentença, a grande diferença da geração atual para as anteriores é que, antigamente, os pais preparavam seus filhos para a vida, que nunca foi moleza, enquanto hoje eles os protegem da vida. Criam verdadeiras redomas, bolhas onde colocam seus filhos supostamente protegidos de todos os riscos e perigos do mundo real, do sofrimento, dos fracassos, da necessidade de se virar por conta própria.
O resultado disso é uma geração incapaz de se defender por conta própria, que olha para fora sempre em busca de proteção, que se sente ofendida por tudo e acha que “alguém”, o estado, deve impedir tal sofrimento, tais “ofensas”. A era do politicamente correto teria ligação direta com isso, assim como as universidades transformadas em ambientes paranóicos, em que professores não podem mais falar uma frase sem se preocupar com a reação das pessoas, das “minorias”.
Coutinho apresenta um caso concreto e absurdo ocorrido em Harvard, mas sabemos ser apenas um exemplo entre milhares. As universidades, lugares que outrora eram intelectualmente férteis, desafiadores, estimulantes, viraram “zonas de conforto” onde o mais importante é “proteger as minorias”. A “marcha dos oprimidos” é, talvez, o tema mais importante culturalmente falando do nosso século.
E a educação dos pais no mundo moderno estaria por trás disso. Os pais criam seus filhos como flores numa estufa. Como fazem isso? Coutinho dá alguns exemplos:
Escolhendo por eles (cursos, amigos, até tempos livres); pensando por eles (com exércitos de explicadores para todas as matérias curriculares); e até vivendo por eles (de preferência, medicando qualquer comportamento “desviante”, como a preguiça saudável ou o excesso de energia).
Essa atitude tem um preço e o preço encontra-se na quantidade de alunos que a autora encontrava na universidade literalmente à deriva: insones; deprimidos; ansiosos; incapazes de tomarem uma decisão por medo psicótico de fracassarem.
E, quando a decisão era inevitável, o comportamento era uniforme: um telefonema aos pais para que fossem os pais a decidirem por eles.
Para Julie Lythcott-Haims, a educação “moderna” fez dos “adultos” de hoje seres “existencialmente impotentes”. Porque os pais, na ânsia de tudo protegerem e controlarem, alimentaram nos filhos uma mentalidade de vítimas: seres frágeis e amedrontados que simplesmente não sabem como “funcionar” no mundo que existe fora do aquário.
Eis aí os “adultescentes”, os jovens que agem como crianças, os adultos que se recusam a crescer para a vida. Tudo passa a ser, então, uma “microagressão”, termo ridículo que, pasmem!, ganhou os campos universitários, locais que no passado eram “ritos de passagem” para a fase adulta.
Esses filhos tiveram sua independência tão tolhida que não conseguem nem mesmo se rebelar contra os progenitores, marca tradicional da juventude. Tiveram suas asas cortadas “pelo amor sufocante dos pais durante anos e anos de gaiolas douradas”. Será que ainda dá tempo de reverter esse quadro preocupante?
Rodrigo Constantino Veja
No Comments, Be The First!