Ainda que breve, a crise entre Colômbia e os Estados Unidos, somada a uma declaração do presidente Donald Trump a jornalistas, acendeu o alerta sobre uma reformulação da política da Casa Branca para a América Latina e o Brasil. “Eles precisam de nós, muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todos precisam de nós”, disse o republicano, horas depois da posse, em 20 de janeiro. No domingo, a negativa do presidente colombiano, Gustavo Petro, em autorizar o pouso de aviões militares com imigrantes ilegais deportados levou Trump a anunciar uma série de sanções a Bogotá. Depois de algumas horas de tensão, o governo Petro recuou, no começo da madrugada de ontem, e anunciou que os voos aterrissariam à capital colombiana ontem ou, no mais tardar, hoje pela manhã. O governo do Brasil também chegou a externar repúdio ante a chegada de imigrantes deportados algemados e acorrentados pelos pés.
Por sua vez, Honduras convocou uma reunião de presidentes e chefes de Estado da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe (Celac), na quinta-feira, para debater a imigração. Para o brasilianista James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), Trump planeja um ataque agressivo à América Latina. “Isso ficou revelado na ameaça de tomada do Canal do Panamá e, agora, na imposição de uma tarifa de 25% sobre a Colômbia, o que levou Petro a retroceder. O republicano sabe que esta pode ser uma ferramenta eficaz para forçar a América Latina a concordar com suas políticas ou, pelo menos, não se opor abertamente a elas. O esforço para construir uma frente unida de nações latino-americanas para se levantar contra sua intimidação talvez seja uma das poucas opções. Mas essa unidade é algo difícil de se obter”, disse ao Correio.
Professor de ciência política do Amherst College, em Amherst (Massachusetts), Javier Corrales avalia que a política de Trump para a América Latina representa uma imensa mudança. “O protecionismo, a penalização e a intimidação estão aumentando. Trump gosta muito mais da ideia de pressionar os aliados dos EUA do que de pressionar os inimigos. Ele sente que os parceiros comerciais e militares tiram vantagem do país e se envolvem em parasitismo”, explicou à reportagem. “O presidente republicano gosta de pressionar publicamente os parceiros para que cumpram acordos — para se exibir e porque gosta de parecer forte. Ele realmente fala sério quando diz que não acha que a economia dos EUA se beneficie muito dos laços com a América Latina. A indicação de Marco Rubio, um especialista na região, para secretário de Estado não foi motivada pelo desejo de elevar a América Latina em temas de segurança dos Estados Unidos, mas simplesmente pelo fato de ele ser um político comprovadamente leal.”
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De acordo com Corrales, a América Latina sempre teve problemas para traçar uma reação coordenada, especialmente quando se trata dos EUA. “Não imagino que haverá uma frente unida contra Trump, mas todos condenarão o unilateralismo de Trump. Todos dirão que se trata de um retorno às políticas dos Estados Unidos do início do século 20”, afirmou. Ele aposta em três maneiras diferentes de responder ao governo do republicano. “Uma delas é evitar conflitos e dizer ‘sim’ para tudo. Outra é se envolver em um confronto público, em um esforço para reunir apoio de setores anti-imperialistas. Uma terceira possibilidade é negociar com Trump sobre questões com as quais ele se importa, como a imigração, em troca de favores especiais, como silenciar-se sobre questões de governança doméstica.”
O especialista de Amherst acredita que a Casa Branca, sob a atual administração, obrigará mais presidentes a buscar laços mais sólidos com a China. “Em outras palavras, se Trump não mudar de rumo, irá acelerar o mesmo resultado que muitos conservadores querem evitar: a aproximação com a China”, advertiu. Miguel Tinker Salas — historiador e cientista político do Pomona College (em Claremont, Califórnia) — explicou ao Correio que o presidente republicano busca projetar o poder dos EUA na relação com a América Latina, ainda que o mesmo tenha limites próprios.
“Suas ações poderiam acabar por desestabilizar a região, que não está preparada para receber milhares, ou até mesmo milhões, de imigrantes”, alertou. Segundo ele, as deportações não impactarão somente a América Latina. “Indústrias inteiras nos EUA dependem de mão de obra imigrante, sem a qual elas poderiam entrar em colapso, levando à inflação e à escassez em território americano”, observou. Tinker Salas acrescentou que, além de interromperem padrões comerciais tradicionais, as ações de Trump dificultam que qualquer líder na América Latina apoie qualquer iniciativa dos EUA sem temer uma reação interna.
Historiadora da Universidade da Califórnia (Ucla) e diretora da cátedra de história da América Latina, Robin Derby entende que as políticas de Trump para a América Latina estão apenas tomando forma. Para ela, as prioridades do novo presidente não estão claras, mas parecem ser transacionalistas por natureza, e não governadas pelo nacionalismo ou pela ideologia. “O fato de Marco Rubio ter sido nomeado secretário de Estado indica que isso pode mudar, especialmente devido à ênfase do governo na imigração”, sustentou.
Derby lembrou que, durante o primeiro mandato, as únicas políticas significativas em relação à América Latina contemplavam o endurecimento das sanções a Cuba e à Venezuela. “Trump fez apenas uma visita à América Latina durante seu primeiro mandato e apenas porque participou de uma cúpula na Argentina. Seus comentários recentes sobre a Groenlândia e o Canal do Panamá parecem estar se inclinando para uma visão expansionista dos EUA mais do século 19, o que é surpreendente e anacrônico”, afirmou ao Correio.
Javier Corrales, professor de ciência política do Amherst College, em Amherst (Massachusetts)
“Neste mundo, a posição de que países não precisam um dos outros é uma forma de isolacionismo que não fez sentido. Todos os problemas do mundo de hoje, desde as mudanças climáticas até o crime e a ciber-regulação, assim como todas as formas de prosperidade, os elos comerciais e a cadeia de abastecimento, são internacionais e interdependentes.”
Javier Corrales, professor de ciência política do Amherst College, em Amherst (Massachusetts)
James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)
“O secretário de Estado, Marco Rubio, intensificará uma campanha contra certos países —Cuba, Nicarágua e Venezuela. Ao mesmo tempo, tratará o governo Lula como um regime esquerdista radical, da mesma forma que a extrema-direita o critica, alegando tratar-se de uma ditadura que tolhe a liberdade de expressão e impõe a censura.”
James Naylor Green, historiador político e professor da Universidade Brown (em Rhode Island)
Robin Derby, historiadora da Universidade da Califórnia (Ucla) e diretora da cátedra de história da América Latina
“Estamos vendo resistência às deportações de Trump por parte de Guatemala, México e Colômbia, o que é algo muito interessante, que pode realmente dificultar seus esforços para promulgar uma de suas maiores promessas. O Brasil é uma grande potência econômica e pode emergir como um fator em seus esforços para desafiar as incursões da China na região.”
Robin Derby, historiadora da Universidade da Califórnia (Ucla) e diretora da cátedra de história da América Latina
Autoridades do governo Trump determinaram à Imigração e Fiscalização Aduaneira dos EUA um “aumento agressivo” no número de detenções diárias de imigrantes não documentados. A determinação é ampliar de algumas centenas de prisões para entre 1,2 mil e 1,5 mil por dia, revelou o jornal The Washington Post. A justificativa é a de que Trump estaria decepcionado com os resultados da campanha de deportação em massa. No domingo, foram capturados 956 imigrantes.
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