Descubra quais são os bairros do Rio com mais bares por quilômetro quadrado; estabelecimentos dividem opinião de moradores

O carioca que não gosta de sentar à beira da calçada, pedir uma cerveja gelada e saborear um petisco se vê fora de sintonia com a verdadeira essência do Rio, uma cidade onde a boemia nunca morre. Com 8.649 bares espalhados, de acordo com dados levantados pelo O GLOBO da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) e do IBGE, o Rio se mantém firme como um dos maiores redutos da boêmia. Em agosto do ano passado, a Time Out Global elegeu o município como o melhor destino do mundo para quem busca uma vida noturna vibrante. A prova disso está na quantidade de bares por quilômetro quadrado, especialmente nos bairros mais icônicos, que atraem tanto moradores quanto turistas.

Os números ainda mostram que Saúde, Centro/Lapa, Vista Alegre, Leblon e Copacabana, respectivamente, são as cinco regiões que mais concentram estabelecimentos por km². As ruas cheias com mesas e cadeiras na calçada podem ser um bom sinal se o intuito é jogar conversa fora e beber, ou apenas se sentir mais seguro ao se deslocar. No entanto, também são alvo de queixa dos que querem simplesmente caminhar pelo espaço público, hoje ocupado pelos estabelecimentos.

Com uma proporção de 153 bares por km², Saúde se consolidou, impulsionado pelo Largo São Francisco da Prainha e a Pedra do Sal, como um dos points do momento. No bairro histórico, que preserva as raízes do samba e da cultura popular carioca, a Rua Sacadura Cabral é um retrato da tradicionalidade do Rio. Antigo reduto de trabalhadores portuários, o local se transformou em um ponto de encontros, com uma atmosfera que mistura tradição e descontração.

Magno Ferreira, de 84 anos, conta que desde sempre a presença dos comércios ali é bem-vinda pelos moradores. Segundo ele, os espaços trazem “uma segurança maior” para transitar à noite. O aposentado mesmo relata que lida com som alto de um bar que é seu vizinho na rua Sacadura Cabral.

— Eu moro aqui desde sempre e vou te falar: andar pelas ruas com celular na mão aqui é só por conta desses bares. Aqui tem até morador que reclama sim, as calçadas enchem muito à noite, a prefeitura não faz muita coisa com essas reclamações, e aí as pessoas se contentam com a segurança que esse movimento traz, que é incomparável com anos atrás que não tinha nada — diz Magno.

Magno reforça, no entanto, que seu apartamento fica ao lado de um bar, que toda noite coloca o som nas alturas. De acordo com ele, por não trabalhar mais, a situação não dá muita dor de cabeça, mas pra quem mantém uma rotina agitada pode ser uma chateação.

— Se o som estiver alto eu vou e fecho minha janela, não atrapalha tanto, mas, por exemplo, quem trabalha sofre. Aqui se você me perguntar o dia que mais enche as ruas você não vai acreditar: é a segunda-feira. Na segunda às três da manhã isso aqui ainda está lotado. Imagina sair para trabalhar.

Já na Zona Norte, em Vista Alegre, com média de 84 bares por km², os moradores também agradecem por hoje poderem contar com um polo gastronômico forte. A auxiliar de Enfermagem, Ruth Farias, de 49 anos, lembra que, por muito tempo, a população não tinha muitos bares legais para conhecer. Desde a pandemia, a situação mudou.

— Não posso mentir que as pessoas extrapolam e acabam colocando som nas alturas e cadeiras em lugares totalmente impróprios, chegando até a fazer cercadinho na calçada, mas aqui, por muito tempo, não tínhamos um lugar legal para beber um drink, comer com a família, e agora temos. Fora isso, eu ainda me sinto mais segura. Algumas ruas eram desertas e eu tinha medo de passar à noite. Agora os bares estão sempre abertos, trazendo iluminação — recorda.

No Leblon, a boemia ganha um toque de sofisticação com bares e restaurantes que moldam o ritmo do bairro, especialmente na extensa Rua Dias Ferreira. Com cerca de 80 bares por km², a região reúne cariocas e turistas em busca de bons drinques. Contudo, apesar da presença dos bares garantir maior movimentação e, em teoria, mais segurança, por lá os moradores não se sentem nada convencidos. Eles afirmam que, embora haja “muito policiamento” e pareça “poupado” em relação a outras áreas, os estabelecimentos dão dor de cabeça.

— Aqui é muito bar. Eu não saio à noite aqui, porque fica muito pior, a gente se arrisca na rua, não passa nem carrinho de bebê nessas calçadas. No fim de semana eles extrapolam, as mesas chegam a ocupar a rua também, onde os carros estão estacionados. Muita gente reclama, porque aqui essa movimentação não traz paz nem segurança para a gente. O Leblon foi poupado demais, tem policiamento — diz Vera, de 77 anos, que mora há mais de 50 anos no bairro e pretende não ter o sobrenome identificado.

A “boa convivência” entre os bares localizados embaixo de prédios residenciais ocorre mediante a negociações. Ela citou o exemplo do Boteco Belmonte, com uma unidade na esquina das ruas General Venâncio Flores e Dias Ferreira. O bar, de acordo com Vera, teria custeado a instalação de janelas acústicas nos apartamentos acima do estabelecimento para minimizar o ruído. Em troca, os moradores deixaram de reclamar do som alto, que se estende madrugada adentro.

Para o casal Beatriz e Julio Rodrigues, que mora há 30 anos ao lado do Boteco Belmonte, o movimento trazido pelos bares é “aceitável durante o dia”, mas à noite torna-se “insuportável”, especialmente em épocas como o Carnaval, quando a agitação mais que dobra.

— No carnaval eu tenho vontade de sumir, as pessoas do bar fecham essa rua — disse Beatriz Rodrigues, moradora.

Enquanto isso, em Copacabana, na Zona Sul, onde há cerca de 68 estabelecimentos por km², os tradicionais bares de “copa e cozinha”, de estrutura simples e acolhedores, ainda mantêm sua essência: mesas na calçada, aperitivos, tudo embalado ao som dos maiores clássicos da MPB.

Ao mesmo tempo, o bairro é o sexto da cidade a concentrar a maior quantidade de idosos, somando 42.203 pessoas com 60 ou mais. Para o presidente da associação de moradores, Horácio Magalhães existe uma “relação conflitante” e falta participação da população nas tomadas de decisões.

— Aqui tem um bar a cada esquina. É complicado porque na maioria das vezes a relação é conflitante. Infelizmente, alguns bares não prezam pelo respeito, principalmente em um bairro com tantos idosos. Em 2019 tiraram o poder dos condomínios em opinar sobre colocar mesas e cadeiras embaixo dos prédios. Antes precisava ter uma uma reunião, mas agora os prédios não dão palpite mais em nada. As autorizações são todas digitais. O morador mora de frente ao caos, cheio de aglomeração, e não tem o direito nem de ir contra aquilo. Nem sempre nós podemos contar com a civilização dos proprietários dos estabelecimentos, então ficamos de mãos atadas — defende.

Flexibilização pós-pandemia

Questionada sobre as regras da Lei Complementar nº 226, de 23 de dezembro de 2020, que dispõe sobre mesas e cadeiras em áreas públicas, a Secretaria de Ordem Pública (Seop) observou que o decreto estipula que os estabelecimentos precisam manter um corredor de 1,50m de largura para a circulação de pedestres, e demarcar o espaço ocupado.

A legislação sobre o tema foi flexibilizada no pós-pandemia, para estimular a permanência ao ar livre — e se mantém desde então, com alguns ajustes. Bares e restaurantes estão, por exemplo, proibidos de instalar TVs e caixas de som voltadas para o público externo, assim como promover música ao vivo nessa direção.

As regras também estabelecem limites de horário de funcionamento. Nas quintas-feiras, calçadas e vagas de estacionamento, desde que com autorização da CET-Rio, podem ser ocupadas por mesas e cadeiras das 18h às 23h. Nas sextas e nas vésperas de feriado, o horário vai até 2h da manhã. Nos sábados, vai das 16h às 2h e, nos domingos e feriados, do meio-dia às 23h.

Os estabelecimentos também são responsáveis por providenciar a remoção diária dos equipamentos ao encerramento das atividades, impedir o deslocamento de mesas, cadeiras ou quaisquer outros mobiliários por parte dos usuários e manter limpa a área utilizada. As zonas delimitadas também devem ser identificadas por sinalização gráfica vertical (placas) e horizontal (pintura).

A prescrição primordialmente estabelecida na pandemia determinava que instalar mesas e cadeiras só era possível se fossem liberados pelo menos 2,5 metros de calçadas livres para pedestres. Em 2021, a distância caiu para 1,50m.

Choque de civilidade

O subprefeito da Zona Sul, Bernardo Rubião, ressalta que medidas estão sendo tomadas no conjunto de ações do “choque de civilidade” — novidade anunciada pelo prefeito Eduardo Paes, no fim do ano passado, com foco em intensificar a fiscalização e punição para quem cometer irregularidades no ordenamento urbano.

— Num primeiro momento nós buscamos conversar com os moradores e empresários. Porém, já tivemos exemplos de sucesso em Botafogo a fim de mitigar o problema com uma postura mais incisiva. Quando não temos uma tentativa de conciliação por parte do empresário, tomamos medidas mais drásticas, como a cassação do alvará. No Treme Treme, por exemplo, já tínhamos aplicado mais de 50 multas que não foram quitadas. Entendemos que os bares representam uma parcela grande da receita, por outro lado os moradores têm o direito ao sossego. Agora a ideia de choque de civilidade vinda mais alavancada — explica.

Respeito às regras

O presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), Fernando Blower, ressalta a importância das regras serem seguidas. No entanto, defende que o estilo boêmio faz parte do dia a dia carioca e as mesas ao ar livre combinam com a atmosfera da cidade, inclusive ajudando a atrair os turistas.

— Eu acho que tem várias nuances disso. Estamos numa cidade grande, então há divergência de opiniões em relação aos bares. Se todo mundo parar pra pensar, esses estabelecimentos, os botequins, fazem parte da nossa cultura. Turistas do mundo inteiro viajam para o Rio para conhecer a tal folia carioca. Nossos hábitos não são lugares fechados, estamos num lugar solar, de verão. Não vemos isso só aqui, em Barcelona e Veneza, por exemplo, acham isso normal — diz.

Blower ainda destaca que as mudanças desde a pandemia foram positivas. Contudo, é dever da prefeitura assegurar que tanto os comerciantes quanto os moradores estão tendo os seus direitos assegurados:

— Essa legislação das calçadas veio para trazer mais possibilidade de regularização de normas, ela veio pra organizar. Se alguém não está respeitando, a prefeitura está aí para isso. Nós não apoiamos quem não respeita, isso não tem a ver com a norma em si. O desrespeito às regras não aumentou e não é de hoje. O que precisamos é garantir uma boa acessibilidade na calçada para que as pessoas possam circular. Ter música alta na rua não é permitido, por exemplo, aí é preciso fiscalizar. O que queremos é uma boa convivência e que o carioca se orgulhe da gastronomia dos seus bares.

O que a lei determina

Os estabelecimentos precisam garantir um corredor de 1,50 metros de largura para a circulação de pedestres, e demarcar o espaço destinado a mesas e cadeiras. É proibido instalar TVs e caixas de som voltadas para o público externo, assim como promover música ao vivo. Mesas e cadeiras podem ser colocadas em uma vaga de estacionamento, desde que haja autorização da CET-RIO. Contudo, de forma alguma, podem ficar na via onde os carros passam.

A ocupação da calçada é valida apenas de quinta-feira a domingo, e nas vésperas de feriado, em horários determinados pela prefeitura. O estabelecimento pode colocar mesa de apoio de, no máximo, 80 cm, no passeio correspondente à sua testada, para o uso do entregador, mediante autorização da CET-Rio.

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