O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e o seu partido, o Justiça e Desenvolvimento (AK), foram surpreendidos pelo resultados das eleições municipais realizadas no domingo (31), quando o país foi às urnas em meio a uma profunda crise econômica.
O principal partido da oposição, o Partido Popular Republicano (CHP), obteve 37,8% dos votos em todo o país, segundo a agência Anadolu, enquanto o AK teve 35,5%.
O CHP derrotou o AK pela primeira vez em todo o país desde que Erdogan assumiu o poder há 21 anos.
Muitos especialistas classificaram estes resultados como a pior derrota já sofrida por Erdogan em sua carreira política.
Como isso aconteceu?
Problemas econômicos: hiperinflação e descontentamento
A profunda crise econômica da Turquia foi um fator-chave para explicar a derrota do partido governista.
Diferente de outros países da região, onde o aumento da inflação foi impulsionado a partir de 2022 pela guerra na Ucrânia, o início desse cenário na Turquia remonta a 2018. A inflação está acima dos 65% e a moeda nacional, a lira, perdeu mais de 80% do seu valor em cinco anos.
O governo de Erdogan é frequentemente acusado de estar alheio às reais dificuldades sofridas pela população.
“O AK demorou para reconhecer as consequências devastadoras da crise econômica”, avalia H. Bahadir Turk, professor de Ciência Política na Universidade de Haci Bayram Veli, na capital Ancara, à BBC.
Ele acrescenta que a vitória nas eleições presidenciais de 2023 tornou Erdogan e o seu partido “excessivamente otimistas quanto à resolução da crise”.
“Acredito que esse foi o maior erro que o partido AK e o Sr. Erdogan cometeram”, analisa.
O crescente custo de vida teve um lugar de destaque na campanha da oposição.
“Este país não merece a pobreza” tornou-se um dos principais slogans de Ekrem Imamoglu, o popular prefeito de Istambul que buscava a reeleição contra um candidato do AK.
Ele conseguiu garantir mais cinco anos no cargo após uma vitória decisiva no domingo.
Imamoglu, candidato do CHP, acusou Erdogan de “virar as regras da economia de cabeça para baixo”.
Em 2023, Erdogan havia conseguido conquistar um terceiro mandato com promessas de resgatar a economia. Mas no pleito municipal de 2024, dizem os especialistas, os eleitores quiseram enviar uma mensagem não a Erdogan diretamente, mas a todo seu partido.
“Os eleitores não abandonam facilmente um vínculo emocional com os seus líderes. Nas eleições locais, eles não tinham que votar no líder [Erdogan], mas sim no partido. E nelas, eles quiseram mandar uma mensagem para o partido AK”, diz à BBC Evren Balta, professora de Ciência Política na Universidade Ozyegin, em Istambul.
Acertos da oposição
O CHP, principal partido da oposição, manteve o poder nas maiores cidades da Turquia, incluindo Istambul, Ancara e Izmir, e conquistou o controle em várias outras, incluindo a quarta maior cidade do país, Bursa.
A sigla varreu a Turquia central, tradicionalmente conservadora, a ponto de muitos comentaristas falarem em uma “onda vermelha” — referindo-se à cor que simboliza o partido.
Estabelecido em 1923 pelo fundador da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturk, o CHP é um partido secularista e nacionalista. Sua base de apoio está na classe média urbana.
Desde o estabelecimento da república turca moderna, os conservadores e os muçulmanos devotos têm visto o CHP como uma ameaça aos seus valores.
O CHP, por sua vez, acusa frequentemente os grupos políticos conservadores, incluindo o AK, de imporem uma agenda islâmica.
A polarização entre religião e secularismo domina a política turca há décadas.
Mas, nos últimos anos, o CHP conseguiu ampliar seu eleitorado, incluindo perfis mais religiosos e conservadores — o que contribuiu para as vitórias no domingo.
“Desde 2017, após a tentativa de golpe de 2016 na Turquia, o CHP tem seguido uma estratégia política de reconciliação com os conservadores, pondo fim à polarização”, afirma Balta.
Em Istambul, o apoio da comunidade curda a Imamoglu também foi importante, apesar de haver candidatos do partido pró-curdo DEM nas urnas.
Para Balta, o eleitorado curdo votou estrategicamente.
“Por um lado, existe o partido AK, um candidato competitivo, que os chama de ‘grupo terrorista’. Por outro lado, há Imamoglu, do CHP, que trata os curdos como cidadãos iguais. Então, eles fizeram uma escolha racional ao votar em Imamoglu”, diz a professora.
E embora grande parte da mídia turca seja controlada por agências pró-governo, esse controle não é absoluto, ela acrescenta.
“O controle sobre os meios de comunicação ou sobre os partidos políticos na Turquia nunca foi como na Rússia e nunca será. Aqui, ainda há uma competição política considerável e uma oposição. Esses atores tiveram ferramentas e oportunidades para se comunicar com as pessoas”, aponta a especialista.
Fim da linha para Erdogan?
Embora Erdogan e o AK tenham sofrido uma derrota importante no domingo, os analistas dizem que é muito cedo para falar que o poder do atual presidente está indo ladeira abaixo.
O mandato presidencial de Erdogan acaba em 2028. Semanas antes das eleições locais de 31 de março, ele disse que elas seriam suas últimas, referindo-se ao fim do mandato.
“Embora reconheça que estas eleições foram notáveis para a oposição, o Sr. Erdogan ainda domina a política turca e a sua influência ainda é significativa”, afirma o professor Turk.
“Não devemos esquecer que, para a maioria dos eleitores na Turquia, ele ainda é uma figura muito respeitada e amada, que dá o exemplo.”
Segundo o professor, o sucesso do AK dependia da harmonia entre “a autoridade carismática do Sr. Erdogan e o funcionamento burocrático do partido”.
“Penso que esta harmonia está gradualmente se deteriorando, e os resultados das eleições municipais são um indicador disso.”
O prefeito reeleito de Istambul é agora considerado um forte candidato à presidência, embora ainda não tenha anunciado oficialmente que irá concorrer.
Nas suas duas décadas de governo, a influência política de Erdogan ultrapassou as fronteiras da Turquia.
Ele se apresentou como líder na mediação entre a Rússia e a Ucrânia, negociando um importante acordo de exportação de grãos em 2022; aumentou as relações comerciais da Turquia com muitos países de África e da Ásia e tem sido uma figura de peso no Oriente Médio.
Mas sua projeção global também está em jogo.
“Imamoglu promete uma democracia funcional. Poderemos ver a oposição reforçar os seus laços financeiros, culturais e políticos com as potências globais”, aponta Balta.
Enquanto isso, Erdogan prometeu trabalhar arduamente para reconquistar o eleitorado. Ele assegurou que o 31 de março não foi “um fim, mas um ponto de virada” para seu grupo político.
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