Os fatores que determinam a renda média das mulheres já foram estudados e analisados. A menor produtividade não é um deles.
Imagine se eu afirmasse aqui na coluna que as mulheres ganham menos porque foram menos estimuladas ao raciocínio rápido e por isso são menos produtivas que os homens. Com toda a razão, mulheres ficariam furiosas comigo. Me acusariam de culpar a vítima e escreveriam manifestos contra mim.
Mas essa exata afirmação foi publicada dias atrás e, incrivelmente, vem sendo compartilhada por centenas de feministas. Até o cartunista Laerte a recomendou o texto eu seu perfil no Facebook. A afirmação está numa crítica ao meu post do dia 29. Diz o seguinte:
Sim, somos menos produtivas porque tivemos habilidades específicas — de menina — encorajadas e desenvolvidas desde a infância. Ou é super comum meninas ganharem videogames, que estimulam lógica e raciocínio rápido, ao invés de fogãozinho e boneca, que estimulam… não sei, estimulam alguma habilidade cognitiva?
(…) Essa diferença de socialização gera mulheres menos produtivas, quando comparadas com os homens. Consequentemente, diminui a busca por nós no mercado de trabalho, o que reduz nossa capacidade de negociação e diminui nossos salários. Se nossa produtividade — ou taxa de exploração — é menor, não é interessante uma empresa formada apenas por mulheres, ao contrário do que dizem algumas argumentações rasteiras por aí.
É estranho que uma afirmação dessas tenha sido escrita e compartilhada por quem acredita defender as mulheres. O artigo reproduz estereótipos que só prejudicam a igualdade de gênero. Não, as mulheres não têm defasagem lógica ou de raciocínio rápido causada por diferenças de formação. Na maioria dos países, as garotas se saem melhor naquela instituição que estimula essas habilidades – a escola. Rapazes de 15 anos têm 50% mais chance de ir mal em interpretação de texto, matemática e ciência que garotas da mesma idade. Eles ainda leem menos e dedicam menos tempo à lição de casa. No Brasil, segundo ogoverno federal, as mulheres são 57% dos universitários de 18 a 24 anos; a frequência escolar no Ensino Médio é de 52% para mulheres e 42% para homens.
Mas o principal mito nos trechos acima é que as mulheres são menos produtivas que os homens. Produtividade (o quanto uma pessoa produz num determinado tempo) é um fator importante porque define o teto de um salário. Uma empresa só vai pagar R$ 5 mil para um funcionário se ele render pelo menos R$ 5001. Já o piso é definido pela segunda melhor opção do trabalhador (ou seja, pela oferta-e-procura).
Como ficam com a maior parte do serviço doméstico (a “dupla jornada”, uma queixa legítima das feministas), as mulheres trabalham menos horas em serviços remunerados. Segundo o IBGE, a jornada média das mulheres é de 39,2 horas semanais, contra 43,4 horas dos homens. Mas, nas horas de trabalho, elas são tão produtivas quanto os homens. Uma designer ou jornalista de 30 anos não é menos produtiva que um homem com a mesma qualificação e experiência.
Se fosse verdade que diferenças de educação tornam as mulheres menos produtivas, haveria uma grande desigualdade de renda já no começo da carreira. Na verdade, as mulheres começam a vida profissional ganhando quase o mesmo que os homens, mas com o passar dos anos a defasagem aumenta a favor deles. Só depois da idade reprodutiva a renda delas volta a subir em relação à dos homens:
Como o gráfico acima deixa evidente, e como é consenso entre muitas pesquisadoras e ativistas, um fator importante a reduzir a renda média das mulheres é a maternidade. Por imposição social ou escolha própria, as mulheres passam a dedicar menos tempo ao trabalho remunerado quando os filhos chegam. Não à toa, uma recomendação bastante sensata das especialistas em desigualdade de gênero é tornar a jornada de trabalho mais flexível, para que seja possível cuidar dos filhos e trabalhar ao mesmo tempo.
Os fatores que definem a renda média das mulheres já estão bem estudados e analisados (a tabela abaixo, criada pela Fundação de Economia e Estatística, do Rio Grande do Sul, resume todos eles). A menor produtividade não está entre esses fatores.
Afirmar que as mulheres têm menor habilidade cognitiva por falta de videogames na infância só aumenta o estigma machista que tanta gente luta para derrubar.
Fonte: Veja Blog Leandro Narloch
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